terça-feira, 3 de junho de 2008

Mundo

Pedi ao mundo que parasse, pedi-lhe que me deixasse olhar.
Tocá-lo, senti-lo, cheira-lo, queria parar para respirar.
Pedi-lhe o impossível, que girasse ao contrário,
que me fizesse andar para trás,
passar por onde já tinha passado, passado de outros passados.
Negou-se a fazê-lo, disse-me que para ver o passado
basta fechar os olhos, basta lembrar os cheiros, basta encontrar o sentir.
Tive receio de não conseguir,
relembrar o que um dia tive, rasguei-me de fúria,
sem entender o porquê de tudo se resumir a recordações.
Falei-lhe das sensações,
das tentações e das minhas inconformadas emoções,
que se exaltavam ao não poder viver, o que outrora pude ter.
Despi-me em revolta, em raiva crua e envolta num querer sem igual.
Pareceu-lhe banal,
estava a sonhar o que tantos sonhavam,
estava a querer o que ninguém podia ter.
olhei para o céu, pensei,
se ele é sempre azul e se ele está sempre aqui,
porque é que também eu não posso viver assim?
Finalmente o mundo parou,
deixou-me numa berma de estrada, sozinha, estagnada.
Disse-me que poderia então ter aquilo que queria,
parar num tempo que não mais andasse em frente,
encostar-me a recordações que não mais voltarão,
para no fim sentir que o mandei parar em vão.
Nesse dia senti a maior dor da solidão,
enterrada num passado, onde já ninguém pertencia,
apenas eu e a minha falta de amor.
Nesse dia entendi que o mundo não anda para trás,
não por teimosia,
mas porque chega-nos guardar o que passou
e agarrar de frente novos passados,
novos sentires, novos cheiros,
sem abandonar tudo o que quis,
porque só assim é possível ser feliz.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Gente

Mais um dia bem escuro, como negro de escuridão.
Revolta das revoltas, não fui feita com uma mão.
Foi preciso um universo, muito puro e sincero.
Foi preciso o azul do ceú, infinito espaço só meu.
Deixei no chão a marca de ter posto aqui os pés.
Levei no corpo a ferida, de uma luta sem revés.
Gente atrás de gente, como gente que habita aqui.
Vivem sempre tão colados, como cada um por si.
Até tu, eterna lua, não sabes onde estás,
não te vejo, não me vês, mas sei que cobrarás
toda a presença que foste, és e sempre serás.
Nestes passos que hoje dou, não me sinto acompanhada.
De costas voltadas para a gente, porque as minhas estão cansadas.
Abri o peito uma vez e não há duas sem três.
Negaram-se a mim sem porquês, sem crer no que sou.
Menosprezada por vocês, hoje sou mais pelo que dou.
Fizeram-me assim transcendente, por volta e meia da gente,
gente que me trocou, gente que não me quis como sou.
No canto da vida encosto-me ao direito,
por ser o que me acolhe e não por ser o perfeito.

domingo, 13 de abril de 2008

Escondida

Fingi-me de trapo, sem cor, um farrapo.
Entregue à mentira, da vida, do tempo,
de capa vestida escondo o desalento.
Momento tão longo, sem fundo, sem fim.
Lembrei-me do escuro e esqueci-me de mim.
Ainda recordo porque me fiz assim,
grito no choro, lágrimas de saudade,
engano da vida, ainda cheiro a verdade.
Perdi o sorriso, tão puro, tão meu,
guardei-o no bolso, cada um tem o seu.
Toco na ferida que sempre me doí,
embrulhada em percalços, que só me remoi.
Seca pelo medo, perdi a vontade,
mas não perco a esperança,
para que nada se estrague.
Recolhida na noite que é este peito,
contrario e aceito,não nego, respeito.
Erguer-me-ei novamente, quem sabe um dia,
mais forte, mais simples,
menos triste, menos fria.
Passo a passo trilho um caminho só meu,
com uma única vontade,
de voltar a ser eu.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Quem percebe?

Quem percebe o que é certo ou errado?
Quem percebe do que é feito o pecado?
Folhas gastas com tinta, em vão.
Amor, sonho escrito no vento,
com um leve sopro de ilusão.
Gasto-te no pensamento,
quero-te, queres-me, sinto, sente.
Vive nesta alma para sempre.

Não negues que me queres,
não negues que me sonhas,
não toques, não me imponhas.
Consome-me quando sentires.
Ama-me apenas quando vires,
que sou a tua respiração.

Bates neste coração, sonho que quero,
estico os dedos desta mão, desespero.
Grito-te aos ouvidos que és tudo,
limpo a recordação de um amor bruto.
Sabor a quase tudo, quase nada,
procura infinita ao que estou amarrada.

Vivo-te, vive-me, chora saudade,
choro-a eu também.
Lágrimas que me caiem de verdade,
por ser o amor da vontade.
Arranca-me a dor, sinto-a assim,
funde-te em mim.
Sussurra baixinho,
«quem percebe que amor é este?».
Sei que o sinto, que o quero.
Em palavras diferentes o escreveste,
com a certeza que só tu o leste.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Assim!

Escondi-me na noite, silêncio escuro.

Sozinha por sorte, sinto o ar puro.

Deixo-me envolver, neste lugar seguro.

Esqueço, não minto, com o frio já não sinto.

Lembranças tardias, em pedras tão frias.

Lugar só meu.

Acolho nas asas o suspiro que é teu.

Dor de uma ferida que sempre doeu.

Transporto-as comigo, agarradas a mim,

sem risco, sem perigo,

porque a minha noite é assim.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Vazia

Injectem-me amor no sangue,
façam-me bater o coração,
nada mais aqui habita,
nem uma simples emoção,
nem por ilusão,
não sinto,nada, tudo, isto ou aquilo,
deixei somente de senti-lo.
Em parte viva,
vazia por inteiro,
em parte existo,
perdi o meu próprio cheiro.
Ainda assim não desisto,
Não sei quanto tempo mais aguento,
ser apenas um corpo em desalento,
não pertencer a quem sente,
não ter um espaço no tempo.
Intervalo interminável,
que me torna cada vez menos visível,
estou a ficar transparente,
sem um único sentimento afável,
meigo, carinhoso, completo,
tornei-me num corpo descoberto,

aberto à dor,
a dor de não sentir,
a dor de não ter nada por dentro,
a dor de estar congelada,
num infinito sofrimento.
Tenho os olhos negros,
levaram-lhes a cor,
esgotados, cansados
mas ainda me pertencem,
nunca me foram roubados.
Vejo-me a preto e branco,
na espera do dia que voltarei a ter cor,
em que sentirei por encanto,
a felicidade ao meu lado,
um sorriso na minha vida,
triste como estou,
mas hei-de deixar de o ser.
Aprenderei a viver,
a amar sem querer,
até mesmo quando quiser,
tê-lo-ei sem saber,
tornar-se-á inconsciente.
Hoje carente,amanha radiante,
porque eu posso estar a morrer por dentro,
mas a esperança, antiga amiga,
incorpora-me a crença,
para que nunca desista,
mas que não insista,
impondo a sua presença,
o sentir vem por si só,
acredito nela, para que vença.
Um dia a apatia pertencerá ao passado,
rir-me-ei dela, como algo fracassado.
Um dia este eu desaparecerá,
serei então a minha pura essência,
não por mera coincidência,
mas por lutar, por acreditar,
que todos podemos ser felizes,
que o sol brilha para o mundo,
que no fundo,
é construído por todos nós,
onde nunca estamos sós,
porém é um mundo atroz,
mas que um dia sentirá o calor,
do que é viver um único amor.

Parecenças

Parecenças distintas, somos singulares.
Dizes sem que sintas, que não fomos feitos aos pares,
para te livrares, do que achas similar,
pois eu digo-te que somos diferentes,
mas que te tento completar.
todo o mundo tem a ver contigo,
menos eu, que te aceito e não te sigo.
Está diante dos teus olhos,
basta abri-los e vês-me à tua frente,
mas não te sinto, tu não me sentes,
não te vejo, nem que tente,
não é presente, não é de hoje,
quando descobriste o mundo,
partiste e nada te trouxe.
Não me sintas, acolhe a tua liberdade,
esquece-me se for preciso,
se para ti isso for a verdade.
Imaginas pessoas iguais a ti,
dizem-te o que é certo ou errado,
acreditas mais que em mim,
acreditas mais que em ti,
porque te sentes bem nesse lado.
O lado de não ser único,
o lado do lado clonado.
Preferes não te render à essência do teu pensamento,
de não agir como pensas,
rejeitas dos impulsos aos sentimentos,
só porque os que hoje te são chegados,
levam-te os sonhos aos deles amarrados.
Tudo à tua volta é diferente,
não se resumo ao que te entende,
porque nem toda gente respeita,
uma mente que por si é feita.
Sem palpites de outros mortais,
fazem de palavras repetições irreais,
fazem de ti actos imorais, vitais,
ao sentir de todos e não ao ser como cada qual,
simplesmente ninguém é igual.
Posso não dizer o que gostas de ouvir,
posso não agir, como gostas de ver,
posso não te largar, porque te quero sentir.
Serei então a eterna espera,
dirte-ei até não poder,
que é aqui que vou morrer,
que te oiço sem falares,
que vejo no teu rosto tudo o que estás a pensar,
que serei sempre um porto de abrigo seguro,
onde te podes esconder,
onde podes parar, chorar, falar,
sem eu nunca te negar.
Embora pertença a mim própria,
fui feita para os outros,
escrevi em mim mil e uma histórias,
mas com tão poucas vitórias,
porque me faltavam as pessoas.
Quero apenas que acredites,
que tudo o que digo é sentido,
não são somente palavras ditas sem vontade,
é o meu coração em tom de verdade.
Quero que sejas feliz,
mesmo que eu não pertença à tua felicidade.
Quero que façam por ti o que eu fiz,
quero que te ofereçam sinceridade.
Não sorrisos baratos,
nem palavras sem saudade,
não inúteis abraços, acolhidos em braços de falsidade.
Quero para ti o melhor,
uma vida linda e jamais vista,
quero que sigas sem rancor,
quero que este peito resista,
por mais forte que seja a dor,
porque o mundo perderá a cor,
sem ti ao meu redor!